terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

FImDELinha

Em 1980 entrei para a faculdade. Curso escolhido, acho que por vocação, Arquitetura. Meu pai apoiou, mas, com aquela ponta de frustração. Ele preferia que seu primogênito fosse advogado ou médico. Arquiteto era coisa de comunista e viado. Paciência, eu com certeza se eu fosse advogado perderia todas as causas. Pior se fosse médico, já teria o meu registro cassado por barbeiragem. Virei arquiteto, não o melhor, mas certamente acima da média. Olha que admitir isso (ser “apenas” acima da média) é reconhecer um fracasso, pois todos os arquitetos se acham gênios da raça, criaturas de incrível bom gosto, descolados, modernos e únicos.

Para a tranqüilidade do meu velho, a pederastia nunca foi uma opção. O mesmo não podia falar do comunismo. No auge da minha inocente juventude, aquela coisa da igualdade entre os homens, do combate à “exploração do homem pelo homem”, aquelas figuras emblemáticas, onde se destacavam dois grandes arquitetos, um grande pela própria arquitetura, Oscar Niemeyer, e o outro pela música, Chico Buarque, era uma fascinação para aquele garoto no início da universidade. Aliás todos lá eram comunistas. Era cafona não ser. Ficava difícil até “pegar” uma mulherzinha. Até uma indefectível barbicha eu tentei cultivar, mas era imberbe demais e fiquei com a cara do Chico Bento. Desisti logo pelo ridículo.

Com o tempo, aquele povo começou a me parecer chato demais, sem proposta nenhuma, com a idéia fixa de paralisar a faculdade com greves idiotas. Já fiz greve e passeata para protestar contra o absurdo do preço cobrado pelo bandeijão da faculdade, que hoje seria R$ 1,00!!! Naquela época nunca ouvira falar de Milton Friedman, e que não existia almoço grátis. O ídolo daquele povo era o Fidel, e o mártir Che Guevara. A mitologia daquele barbudo descendo Serra Maestra para derrubar o títere do imperialismo Fulgêncio Batista, fazia os vermelhos da USU imaginar um outro barbudo, talvez o Lula ou o Dirceu, descendo a Serra das Araras e pendurando no poste o Roberto Marinho ou a Carmem Mayrink Veiga. Para mim foi uma época de ingenuidade. Hoje, pensando naquele tempo, me vem à cabeça uma citação de Nelson Rodrigues: “Jovens, envelheçam antes que seja tarde”.

Hoje o ditador Fidel renunciou. O regime opressor que ele implantou em Cuba continua, mas vale o simbolismo. Foi-se o último dos “porcos”, conforme George Orwell. Foi tarde. É indiscutível que ele derrubou na década de 60 um ditador sanguinário, que manteve o povo cubano ao largo de alguma condição humana. É indiscutível também que ele se transformou na criatura que derrubou, não obstante ter tornado a sociedade cubana igualitária. Todos se igualam. Tal como uma fazenda escravocrata do século 19, todos os escravos cubanos tem educação igual, saúde igual, todos comem igualmente pouco, trabalham igualmente para Fidel sem remuneração digna, todos tem o direito de não ter bens, todos têm o igual direito de ir e vir, desde que dentro da fazenda cubana, desde que respeitem o feitor, todos têm direito de idolatrar Fidel, sem contestações. Caso contrário, ao pelourinho. Mas saúdo o povo cubano. Pelo menos em uma coisa a vida deles melhora. Ficaram livres dos discursos intermináveis e soporíferos. Aos saudosistas da verborragia restará o venezuelano Chaves.

Entretanto, continua para mim um mistério ser Fidel ainda admirado por figuras esclarecidas e cultas da nossa raça tupiniquim. Serei eu um vendido ao império americano que não consigo enxergar suas qualidades ? Será que vendi a alma para o demo? Acredito no direito de ir e vir. De ser remunerado pelo mérito. De poder escolher o meu governante, mesmo que essa escolha desande em Lula, Maluf, Sarney ou Garotinho. Acredito no poder da escolha, de falar e escrever o que eu penso, sem a preocupação de ser penalizado por minhas crenças, sejam elas certas ou erradas. Tenho absoluta certeza que tudo que escrevi acima seria censurado em Cuba. Se eu fosse um cubano, dormiria no mínimo preocupado por uma possível retaliação, ou talvez não tivesse a coragem de publicar o escrito aqui. É esse o encanto que fascina os Niemeyers e Chicos da vida?

Já vai tarde Fidel!

Um comentário:

Unknown disse...

Laurindo...escolhi este apelido, pois foi com o qual convivi nos tempos de USU...
Simplesmente sensacional a sua página!!!! Amei!!!
Quero muito agradecer-lhe pois fazia zilhões de tempos que eu não gargalhava e chorava e me engasgava com algo que tivesse lido.
Estou ainda com lágrimas escorrendo de meus olhos,não de tristeza, mas de alegria por privar de sua amizade e ter estes presentes de vez em quando...estes textos maravilhosos, dos quais tenho a honra de ser uma das personagens vez ou outra.
Serei assídua visitante de seu blog e colecionadora de seus textos...viu, tb me confesso!
Um beijo grande, o "Capivaras me mordam está perfeito", que memória!
Até sempre
Angel