
Depois de muito tempo insone, quando aproveito para escrever aqui neste hospício virtual, na noite passada consegui sem ajuda da velha e sensata maracujina, dormir o meu sono da beleza. Desta vez, nem os meus próprios roncos me despertavam. Que maravilha, roncava, babava e resfolegava sem ninguém para me cutucar.
Pause: cutucar pode ser um problema, mas existe coisa pior do que mulher com o pé gelado, e que te encosta quando você já está dormindo? Juro que me dá medo. Me sinto naquele filme “A mão”, onde a tal mão, decepada, fria, verde e impiedosa persegue e assassina todos os personagens do filme.
Play: Contudo, despertei na alta madrugada. Acendi o abajour, e procurei o som que me libertou dos braços de Morfeu. Não vi nada e apaguei a luz. O cochicho aumentava. Acendi novamente e juro que me lembrei do Gilliard. Aquele cantor que Deus, em sua infinita sabedoria, nos abençoou com o ostracismo.
“A pulga e o percevejo fizeram a combinação.
Fizeram uma serenata debaixo do meu colchão.
Torce e retorce, procuro mas não vejo,
Não sei se era pulga ou se era um percevejo”.
Não era possível! O som vinha do centro da minha cama. Desta vez, além do abajour, contei com o auxílio luxuoso do lustre e de todas as dicróicas que a maldita decoração nos obriga e instalar nos indefectíveis rebaixos de gesso. Peguei uma lupa, meu sobretudo, um cachimbo e um violino, Esquece, essa imagem de Sherlock Holmes não combinava em nada com o meu pijama esmolambado. Mas a lupa tinha. Apurei os ouvidos e escutei claramente:
- Fome, fome, fome!!!
Parecia a Madrugada dos Mortos. Era isso mesmo. O meu colchão devia estar mal alimentado. O seu interior roncava como o estômago de um leão famélico procurando uma presa na escuridão.
- Fome, fome, fome!!!
Pensei em ligar para o Patrus Ananias (aliás nome de parente do Tio Patinhas) do PT e inscrever o meu colchão no Fome Zero. Quem sabe parte das doações que fez a Gisele Bündchen pudessem ser encaminhadas para o meu colchão. Preocupado com a saúde das molas encapsuladas e da espuma densidade 45, eu perguntei a ele, com o respeito que se deve ter a um amigo que você dorme em cima, companheiro de tantos momentos gososos e outros gasosos:
- Amigo Ortobom, o que posso fazer eu para matar essa fome que te consome?
- Ô viado, que porra é essa de Ortobom? Abre o seu olho e mais respeito com sua majestade!
- Ortobom, não sabia eu que você era o rei dos colchões?
- Puta que pariu, pega essa merda desta lupa e olha direito.
- Amigo Ortobom, o que posso fazer eu para matar essa fome que te consome?
- Ô viado, que porra é essa de Ortobom? Abre o seu olho e mais respeito com sua majestade!
- Ortobom, não sabia eu que você era o rei dos colchões?
- Puta que pariu, pega essa merda desta lupa e olha direito.
Foi aí que consegui vislumbrar de onde vinha o burburinho. Centrei a luz no meio da cama, e lá estava. Perfilados em linhas e colunas, liderados por um general, eles se mostraram. Um exército de ácaros. Pareciam os 300 de Esparta, prontos para enfrentar Xerxes no desfiladeiro das Termópilas. Neste caso Eu.
- Qual a razão de tal animosidade? Perguntei.
- Fome, fome, fome - responderam todos, uníssonos.
- Mas qual a razão para esta fome toda?
Neste momento, um deles, supostamente o líder, se aproximou e se apresentou.
- Amigo Zan. Eu sou Ícaro, o rei dos Ácaros. Aqui estamos há quase 6 anos, e convivíamos gordos, felizes e satisfeitos com esse meio-ambiente que nos foi dado. Aqui nossos filhos cresceram e aprenderam a degustação das peles e sucos naturais provenientes do seu corpo e o da sua companheira. Nos banqueteávamos noite após noite, com as iguarias oriundas do roça-roça. Entretanto, a nossa musa nos abandonou, e levou com elas suas apetitosas peles mortas. Com isso, a nossa ração diária diminuiu pela metade. Você, mais velho e menos saboroso, passou a tomar banhos toda noite e com isso desperdiçar o nosso pão de cada dia. Hoje, temos que nos contentar com os cabelos que se desprendem em quantidades babilônicas de sua cabeça. O problema é que nossa dieta, a base de cabelos, está criando uma revolta no mundo ácaro. Você sabe melhor do que eu, que cabelo no dente só traz problema. Por isso a razão desta revolta.
Eu, pasmo e incrédulo, escutei pacientemente toda a argumentação de Ícaro, afinal, mesmo invisíveis aos meus olhos, aquelas criaturas eram meus fiéis companheiros. Com eles eu dividia o meu leito. Com eles eu dormia toda noite e sonhava com aquela que sempre será o meu sonho. Alguma providência deveria ser tomada. Aquelas criaturinhas comiam os meus restos. E gostavam. Eu era gostoso para alguem, mesmo que fossem ácaros. Eu não poderia deixa-los a míngua.
Então, um impulso incontrolável me levou ao banheiro. Lá, escondida entre os shampoos, condicionadores e cotonetes, estava ela. A salvação do reino ácaro. A pedra-pomes. Agarrei aquela pedra e rapidamente voltei para a cama. Os meus menores amigos tinham que se alimentar. Posicionei-me sobre aquele exército e freneticamente me pus a ralar a sola dos meus pés. O farelo que caia sobre o mundo acariano era como o maná que alimentou os judeus na sua fuga do Egito. Eles se fartaram, recolheram o excesso em farnéis e sumiram nas profundezas do colchão. Me senti feliz e realizado, como um ministro de posse de um cartão corporativo comprando pastel de tapioca para a plebe ignara.
- Qual a razão de tal animosidade? Perguntei.
- Fome, fome, fome - responderam todos, uníssonos.
- Mas qual a razão para esta fome toda?
Neste momento, um deles, supostamente o líder, se aproximou e se apresentou.
- Amigo Zan. Eu sou Ícaro, o rei dos Ácaros. Aqui estamos há quase 6 anos, e convivíamos gordos, felizes e satisfeitos com esse meio-ambiente que nos foi dado. Aqui nossos filhos cresceram e aprenderam a degustação das peles e sucos naturais provenientes do seu corpo e o da sua companheira. Nos banqueteávamos noite após noite, com as iguarias oriundas do roça-roça. Entretanto, a nossa musa nos abandonou, e levou com elas suas apetitosas peles mortas. Com isso, a nossa ração diária diminuiu pela metade. Você, mais velho e menos saboroso, passou a tomar banhos toda noite e com isso desperdiçar o nosso pão de cada dia. Hoje, temos que nos contentar com os cabelos que se desprendem em quantidades babilônicas de sua cabeça. O problema é que nossa dieta, a base de cabelos, está criando uma revolta no mundo ácaro. Você sabe melhor do que eu, que cabelo no dente só traz problema. Por isso a razão desta revolta.
Eu, pasmo e incrédulo, escutei pacientemente toda a argumentação de Ícaro, afinal, mesmo invisíveis aos meus olhos, aquelas criaturas eram meus fiéis companheiros. Com eles eu dividia o meu leito. Com eles eu dormia toda noite e sonhava com aquela que sempre será o meu sonho. Alguma providência deveria ser tomada. Aquelas criaturinhas comiam os meus restos. E gostavam. Eu era gostoso para alguem, mesmo que fossem ácaros. Eu não poderia deixa-los a míngua.
Então, um impulso incontrolável me levou ao banheiro. Lá, escondida entre os shampoos, condicionadores e cotonetes, estava ela. A salvação do reino ácaro. A pedra-pomes. Agarrei aquela pedra e rapidamente voltei para a cama. Os meus menores amigos tinham que se alimentar. Posicionei-me sobre aquele exército e freneticamente me pus a ralar a sola dos meus pés. O farelo que caia sobre o mundo acariano era como o maná que alimentou os judeus na sua fuga do Egito. Eles se fartaram, recolheram o excesso em farnéis e sumiram nas profundezas do colchão. Me senti feliz e realizado, como um ministro de posse de um cartão corporativo comprando pastel de tapioca para a plebe ignara.
A partir daquele dia, a ralação e esfoliação do meu corpo se tornaram obrigatórias. Tenho muito que agradecer aos meus ácaros pela companhia que eles me proporcionam. Afinal, quem mais se habilita?
Um comentário:
Muito bom...rsrsrs...não sei porque adoro pedra-pomes, aliás, acho que me encantei com ela com uma personagem da Zulmira Ribeiro, que usava pedra-pomes...rsrsrs. Texto fluido, divertido, bom de ler! Parabéns!
Keila
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