sábado, 16 de fevereiro de 2008

Urinol


A postagem anterior ele foi muito citado, por isso, me penalizando pela criticas anteriormente produzidas, venho me retratar com essa belíssima peça, agora em desuso, que por muitas gerações aliviou o desconforto de nossos ascendentes. Por isso aí vai o poema de Manuel de Freitas.

URINOL

As melhores horas da nossa vida,
as mais contentes, passámo-las
num urinol qualquer,
vendo correr o mijo
capaz e fluente numa certeza de louça
branca, amarela ou cinzenta.
Instantes de pouca opressão,
cumprindo embora um estúpido dever,
desses do corpo, sob o silêncio infecto de Deus
- que talvez fosse aquele puxador
de autoclismo que um dia me ficou na mão,
numa taberna discreta ao Poço dos Negros.
Guardei-o ainda alguns meses, mas de Deus
como de um autoclismo, de tudo
acabamos por nos cansar.
Até de poemas.
São ruas velhas assim, onde paira
a suposição grosseira de um urinol
divino e sombrio, que nos fazem aceitar
esta voraz forma de extermínio. O nosso,
incandescente, num apogeu de melancólicas
retretes onde os insetos e bactérias ao acaso
nos distraem o olhar
embaciado pelo abusa da lixívia.
Uma lucidez pegajosa, toldando a idade
das mãos invariavelmente senis.
Como se bastassem, ou fossem mesmo
excessivas, certas baixas certezas de cão,
desastres menores. Sabendo-se de fonte
segura que o mijo pode ser um poema.
Um poema cansado do que antes foi vinho,
a suicidar-se agora - contente e tão triste
-no vazio evidente de uma louça
branca, amarela, sagrada.
Pequenas alegrias e no entanto as maiores,
essas mesmas que bastarão,
que terão de bastar,no dia
em que formos
morrer.

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