sábado, 16 de fevereiro de 2008

Capivaras me mordam.

Essa história que aconteceu em Janeiro de 2006, quando antigos amigos arquitetos, que há 20 anos não se viam, conseguiram finalmente se encontrar, e constatar que o tempo e a distância não são obstáculos para uma grande amizade, 15 minutos bastam para esquecer que 20 anos se passaram.

UMA NOITE DE ENCONTROS, CAPIVARAS E URINOIS

Sexta-feira, quase oito da noite, ponte Rio-Niterói, calorão senegalês, duas mulheres falando pelos cotovelos dentro do carro, eu e o meu cupincha Silvio calados...era uma tensão no ar. O telefone toca, meto a mão no bolso para atendê-lo, quase que a traseira de um ônibus nos abençoa. Atendo e do outro lado era o Professor Pasqualette, que com pontualidade britânica já estava no local do encontro.
- Pô meu camarada, bar gay de novo não!!! Esse Palafita's é bar de viado!!! Diz ele indignado.
- Calma que a gente já ta chegando! Digo eu.
- Mas corre que tem uma capivara mordendo a minha bunda!!Desligo e meto o pé no acelerador, afinal o careca nervoso cospe para todo o lado.

É dois real moço. Pago e estaciono. Vejo um buteco na minha frente, e me encaminho para lá. Que bacana, parece o Bar do Dedão em São Gonçalo.
- Calma ô niteroiense capiau. Esse é o bar do mineiro, deixa de ser brega - diz o meu cupincha Silvio.
Andamos mais um pouquinho, e penso:
- Que bom que vim com gente chique, pois estava disposto a parar o carro na saída do Rebouças e procurar o tal Palafita's a pé.Logo avistamos o Careca, que a andava de um lado para o outro coçando aquele campo árido, onde um dia floresceu uma vasta plantação. Falava sozinho e dava para entender:
- Cacete, com tanta birosca boa no Grajaú, esses viadinhos arrumam um lounge (palavrinha viada) longe pacas, e ainda por cima caro pra dedéu!!! Eu queria mesmo é conhecer o Bar do Dedão. Tomara que a próxima reunião seja daqui a mais vinte anos - pensava o mestre.

Com beijinho das mulheres e sacaniações dos homens o mestre se acalmou parcialmente. Mostrou seus discos esquisitos (aqueles rocks decadentes que ele escuta desde os tempos da USU) e perguntou se a gente tinha realmente coragem de entrar naquele antro pederasta. Confiantes em nossa masculinidade, eu e o meu cúmplice Silvio fomos entrando e argüindo por nossa reserva.Pausa para descrever o local. Modernoso, despojado, caro e estiloso. Parece uma mistura entre uma taba de ritual Kaurup com república de estudantes peruanos, decorado pelo Clodovil. Ou seja, lugar ideal para encontro entre homo-inrustidos. O local serve também para se esconder com aquela baranguinha que você quer abater sem ser visto, uma vez que a única iluminação da bifurca é uma vela de macumba dentro de um ralador de queijo. Muderno. Se o Dedão vier aqui, ou surta ou copia – pensei eu.Rapidamente descobrimos a razão da escuridão. O cadáver, oops, cardápio, não podia ser visto pois era realmente para gays ricos, que não se incomodam de pagar zilhões por um coquetelzinho de tomate com salsicha. A minha nega pediu uma batida de manga, quando tomou o primeiro gole cochichou no meu ouvido:– Môo vamos pro Dedão?

O líquido tinha gosto de biotonico Fontoura. A nega do meu capanga Silvio pediu uma batida de coco feita com o mais puro sabão neutral pastoso. A cerveja pelo menos era quentinha e servida em um urinol de ágata (uuuiii). Acho que era para ligar uma coisa com a outra. Ninguém se atreveu a usar o urinol da forma como foi projetado. Falta grave para um grupo de arquitetos. Lembrei-me das aulas de história da arquitetura com a Ângela. Forma e função. Eu pensei até em me atrever a usar, da forma tradicional, a peça que por tantos anos morou debaixo da cama da minha vó, porém fiquei temeroso de ver o meu lindo Zé José ser apreciado e desejado pelos boiolas do lugar. Coisas de Laurindo. Vendo aquele penico reluzente lembrei da história da minha vó, que era portuguesa, e que em uma noite de sexo selvagem com o meu avô gritou:
- Higino, me mata com aquela coisa de fazer pipi.Então vovô meteu a mão debaixo da cama e sapecou uma penicada na cabeça da vovó.

Então, sentiu-se um suspiro de alívio. Chegou o Sergião. Homem culto e da melhor estirpe, nos fez ver que aquela nossa implicância tratava-se apenas de breguice e preconceito arraigados dentro do ser niteroiense/grajauano. Homem sábio e de vasto convívio com as minorias sexuais, sem jamais ter cedido às tentações do canibalismo, Sergião nos ensinou como usar o lugar. Explicou-me que jamais deveríamos colar meleca embaixo da mesa ou coçar as partes baixas. Perguntei se podia fumar unzinho e ele em sua sapiência me iluminou dizendo que unzinho era coisa de favelado. Melhor pedir cannabis. Mais zen impossível. Achei melhor obedecer, afinal é o meu único amigo que tem netos.Repentinamente surge no horizonte duas enormes e esguias criaturas. Edna e Silvio (ou Sivo, ou Sifú já que o pobre convive diariamente com quatro mulheres...tadinho). Respirando o ar rarefeito e esbarrando a cabeça no teto do quiosque, o gigante casal exalava simpatia. Edna cumprimentou a todos com beijinhos, o que me causou torcicolo. O seu esposo mostrou que a convivência com Michael Jackson na câmara hiperbárica enriquecida de oxigênio puro realmente produziu efeitos benéficos em seu organismo. O homem está mais conservado que azeitonas Beira-Alta. Parece o mesmo sujeito que limpou o teto da basílica de São Pedro, onde foi em lua de mel com a divina Edna há 60 anos atrás. Viva eles.

Papo vai, papo vem, e nada de chegar aquele produto especial da Bolívia. Gritei para o garçom;
- Ô Wanderval, cadê o bagulho? – cannabis na língua de Araribóia.O garçom que não era conterrâneo, e não se chamava Wanderval, me lançou um olhar apatetado, e se aproximou perguntando se eu queria outro urinol.
- Meu filho, se der larica serve – respondi.O calor piorava. Comecei a sentir um comichão no baixo ventre, mas não tive a menor coragem de perguntar onde poderia realizar o descarrego. Fiquei com medo de me conduzirem para a área das capivaras, ou ter de fazer ali mesmo no urinol. Toinho convidou o meu cupincha Silvio para ir ao carro escutar Manfred Man, Genesis e Emerson, Lake & Palmer. Se eu não conhecesse os dois diria que o Palafita’s já estava induzindo o amor entre iguais. No mesmo momento a cerveja quente fazia o meu intestino grosso comer o intestino fino. Então...

Surgem no horizonte aqueles maravilhosos olhos verdes. Os mais bonitos que os ursulinos tiveram oportunidade de conhecer. Angélica. Maridão a tira-colo, e acompanhada de uma outra pessoa. Seria a filha? Não a filha é morena. Seria a mãe? Não a mãe não era. Seria a Benedita? Não, era branca e parecia ter um ar de civilização pré-colombiana. Juro que não reconheci, mas era quem eu imaginava. O melhor produto brasileiro exportado para a Bolívia.A mulher diferentemente do que eu achava não chegou metida em uma chompa, muito menos com aqueles típicos gorros coloridos e cobertor estampado nos ombros. Preconceitos e estereótipos são mesmo muito danosos, eu estava certo que ela viria montada em uma lhama. Que nada. Chegou bonita e elegante, marcando presença, vestindo Versace e cheirando Esteé Lauder. Pensei eu cá com os meus botões:
- Essa Mônica deve ser a viúva do Pablo Escobar.Aí, os meus neurônios (poucos), que são mais adestrados que os meus botões, replicaram:
- Deixa de ser toupeira, ô botão. Pablo Escobar é de Medellín, que fica na Colômbia. A moça é a esposa do “capo dei tuti capi” do cartel de Tarija. Em Tarija não se produz cocaína, mas coisa muito pior. O local e mundialmente famoso por produzir e exportar, com a mais alta tecnologia, maridos para as mulheres do Leblon.
- Há bom – respondeu através de sinapses os meus botões – eu achava que Tarija fosse aquele lugar no alto das montanhas perto do lago Xixicoco onde nasceram aqueles caras que assopram canudinhos na Cinelândia.

Voltando à nossa reunião (é melhor largar os botões e os neurônios que não se entendem mesmo), onde estávamos mesmo?...A Mônica. Espetáculo. Vocês viram os pés? Que coisa!!! Pensei na mesma hora arrumar um cargo de bispo para virar pedófilo. O meu acólito Silvio surtou no mesmo instante:
- Caracoles, miercoles muchacho. Nosotros nos quedamos a cá para hablar acerca del desaroio de Monica. Gualpa mui chica e mui ermosa que se cambió para lá ciudad de Tarija e está a pedir una Cueca Cuela caliente!!! Chumpitaz, Melendez, Hojas, Calderón, Aristizabal, Higuita, Baldevieso e Valderrama!! Segura a mulher que a coca cola aqui dá disenteria.

Foram feitas as devidas apresentações. Angélica tal qual Leonardo Da Vince exibiu o seu Davi – homem de sorte – que logo se mostrou um Golias de simpatia. Minha nega Lê falou ao meu ouvido:
- Você não falou que a mulherada estava precisando de uma lanternagem? Tá aprontando comigo? Deixa de ser mentiroso homem, com elas você não sai sozinho de jeito nenhum!!!Não é que é mesmo. Excluído o Sifú, que toma formol, os homens estavam todos carecas e barrigudos. As mulheres entretanto, tirando uma muxiba aqui e alí, ainda davam um caldo de primeira.Iniciou-se então a exibição de fotos dos descendentes. A luz bruxuleante que vinha do ralador de queijo não era ideal, mas deu para ver que os filhos faziam jus aos pais. A Edna exibe sua penca de belas filhas, a Angélica apresenta a sua melhor produção, a Amanda, então a Mônica mostra o que é que a Bolívia tem. Paola. Já o Bernardo estava camuflado. Integrante das forças expedicionárias Bolivianas, o rapaz na foto parecia um mariner pronto para eliminar guerrilheiros das FARC. Os filhos do Sergião, foram bravamente representados por fotos 3x4, mas dava para ver ali o DNA do pai. Bonitos, compridos e mal maquiados (culpa do lambe-lambe). De repente, preocupação geral...Toinho tirou algumas fotos encardidas do bolso fétido. Era conhecido que o nosso grão-mestre tinha gerado duas criaturas...O meu comparsa Silvio virou para mim e disse:
- Já ouvi à boca pequena, que um tem a cara do Ozzy Osborne e o outro é igualzinho ao Lou Reed. Walk on the wild side.
- Melhor que seja assim meu chapa. Já pensou se nascem com a cara do pai? Ou pior com a cara do coelho Bundo?
Mas para alívio geral, os meninos são lindinhos e se parecia mais com os Menudos.

Com a chegada dos últimos amigos, os “assentos” que já eram poucos acabaram, então solicitamos ao Wanderval que fosse providenciado mais “assentos”. Prontamente o rapaz apareceu com um tronco em forma de canoa. Com essa o Davi deu um pulo e declarou:
- Nesta piroga eu não sento! Quem é que deu a idéia desse quiosque?- Foi o Laurindo – responderam simultaneamente Toinho e Angélica.Nesta hora vira a minha nega e pergunta:
- Zan (apelido carinhoso), quem é esse tal de Laurindo? Será que ainda vamos esperar a chegada de mais alguém?
Achei melhor não explicar pois certamente teria problemas conjugais, afinal não sei como reagiria a minha lindinha quando descobrisse que dormiu tantos anos com o sátiro Laurindo.
O episódio da canoa foi a gota para abandonarmos o local, praguejando contra o valor cobrado por uma batida de biotonico Fontoura, outra de sabão neutral pastoso e algumas cervejas Belco quentinhas e servidas no penico de ágata (uuuiii). Alguém deu idéia para irmos à casa do Clodovil reclamar. Mas achamos melhor optar mesmo pelo bar do Mineiro, logo ao lado. Toinho, o mais animado saltou rapidamente e correu na frente:
- Vou lá reservar uns lugares perto do palco – gritou o bardo ao longe.- Vamos lá cambada que o cantor está entoado Travessia. Disse o meu camarada Silvio.
Fomos correndo de um bar para o outro cantando “solto a vó na estrada, já não quero parar...”

Quando chegamos no quiosque do Mineiro, meu espírito se tranqüilizou. Estava em casa. Uma mesa comprida, toalhas xadrez vermelho e branco, paliteiro, bolachas de chope e fio dental. Um cantor berrando Andança – “vim, tanta areia andei, na lua cheia eu sei, uma saudade imensa...” Tudo há ver. O Toinho já tinha feito os pedidos, e antes que alguém tivesse alguma outra idéia, aparece o garçom Helio carregado com porções de carne seca desfiada, aipim frito, torresminho, picanha fatiada, lingüiça mineira frita, farofa e caldinho de feijão. Sensacional. Faltaram apenas os testículos a milanesa. Uma iguaria.
Alegre como um pinto no lixo o rei da lousa declarou:
- Isto é que é bom na vida. Comida que faz merda.Instantaneamente se deu conta que todos olhavam embasbacados para a musa dos Andes, que montava as mesas em inédita configuração. Conclui que nós, pobres descendentes de Macunaíma, não sabíamos absolutamente coisa alguma sobre a cultura bolivariana. Habilidosamente, a pastora das lhamas re-arranjou as mesas em um perfeito quadrado, o que possibilitou todos presentes apreciarem muito bem, as imperfeições estéticas dos outros.

As cervejas vinham, os acepipes também. A conversa fluía e eu emocionado com o encontro roguei uma prece:
Cerveja nossa que esta no bar,
Resistente seja o nosso fígado,
Venha a nós o copo cheio,
Seja feita a nossa noitada,
Assim na rua como na festa,
O drink nosso nos daí hoje,
Perdoai a nossa ressaca,
Assim como nós perdoamos,
A quem não tenha bebido,
E não nos deixei cair no calçadão,
Mas livrai-nos da água
Barmen

Ninguém gostou muito da heresia. Sergião versado e responsável, alertou que a minha sorte era que todos os presente eram agnósticos, pois tal blasfêmia renderia decapitação de algum membro pulsante, no oriente.
Um pouco depois, meu parceiro Silvio sorrateiramente debandou do grupo junto com o mestre Pasqualette e foram em direção do carro. Cedeu ás tentações do pouca telha. Acho que o educador convenceu o pupilo niteroiense escutar um rock decrépito. Jethro Tull ou mesmo Rick Wakeman. Coitado do calvo de Niterói. Foi abduzido pelo canto de sereia do ET do Grajaú. Horas depois apareceram com cara de quem tinham cheirado o sovaco do outro. Cegante.Aparte. A minha nega, depois de séculos de convivência com este arquiteto frustrado já se acostumou com a água de vaso. Porém gostaria de deixar registrado que Luciana, a nega que deu jeito no meu camarada Silvio, enfrentou bravamente as intempéries da noite. Arquiteta de larga competência jamais deixou a peteca cair, mesmo quando tentamos combinar o capitel jônico do Sergião com a abóbada do Toinho. Parabéns pelo achado Silvio.

A noite seguia alegre quando lembramos das ausências de outros queridos amigos. Ficamos todos sorumbáticos, macambúzios e taciturnos. Com certeza a reunião seria abrilhantada com a presença destes.

Meia-noite e nosso guia Toinho resolve se retirar. CDF como sempre, alega que no dia seguinte teria que preparar a palmatória para as aulas de segunda-feira. Tinha também que ensinar uma aluna noções de contabilidade. Coisas sobre balanço, bruto e o líquido. Com a ausência do reitor, todos se sentiram abandonados. As comidas gordurosas principalmente. Contudo, compensamos a falta do professor Raimundo, com altas doses de cerveja.

Depois deste ponto lembro somente que o álcool se apossou da minha criatura. Acho que também tomou conta da mente a Edna, que parecia um personagem de “A volta dos mortos vivos”. Comecei a falar pastoso e a contar mentiras. Amigos, me perdoem pelas fábulas. Eu nunca fui plagiado pelo Niemeyer. A Patricia Poeta não sabe quem eu sou. 40cm é o tamanho do meu fêmur e nunca fui ponta esquerda do Fluminense.

No final da noite, bêbado, louco e rouco, fui tele-transportado até Niterói pela Maquina do Capitão Kirk, mas com toda certeza foi a melhor noite que tive nos últimos anos. Foi inesquecível.

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